quarta-feira, 7 de abril de 2010

Novo modelo da indústria farmacêutica amplia espaço para P&D


Entrevista com Ogari Pacheco, presidente do laboratório Cristália

A produção de fármacos é uma das áreas onde a relação entre universidade e indústria vem evoluindo e criando novos espaços para a atividade de pesquisa e desenvolvimento. O relacionamento se intensificou nos últimos anos em razão da política industrial que utiliza o poder de compra do Ministério da Saúde, visando atender as demandas por medicamentos e reduzir o grande déficit comercial do setor. Um novo modelo, que reúne laboratórios públicos e privados, tenta superar os gargalos tanto na produção de medicamentos finais quanto dos farmoquímicos. Para isso, os laboratórios precisam investir em pesquisa, contratar pessoal especializado ou adquirir serviços das universidades e centros de pesquisa. Entre os que têm seguido essa trajetória está o laboratório Cristália, apontado como uma das empresas mais inovadoras do país e detentor de um catálogo de 180 medicamentos. Criado em 1972, hoje com um faturamento de R$ 600 milhões, relaciona cerca de 100 pedidos de patentes, dos quais 17 já aprovados, com foco em anestésicos, disfunção erétil e Aids. Essa atuação se dá em um mercado no qual o lançamento de um produto, no caso da inovação radical, isto é, um medicamento totalmente novo, leva cerca de sete anos entre o início do desenvolvimento e a aprovação da Anvisa. Na chamada inovação incremental, que aperfeiçoa medicamentos já existentes, o tempo varia, mas em geral demora de três a quatro anos. Nesta entrevista, o presidente do Cristália, Ogari Pacheco, fala sobre política industrial e sobre o relacionamento da empresa com a universidade.

BES - Qual a avaliação que o senhor faz da atual política industrial para a área de fármacos?
Ogari Pacheco - Essa política vem ao encontro de idéias que nós defendemos há muito tempo. É do conhecimento de todos que a produção de princípios ativos farmacêuticos no país é muito pequena. Eu diria que é pífia. A balança comercial brasileira do setor é muito desfavorável. Importa-se quase tudo que se consome. Uma saída para que esse quadro se modifique passa pela produção local desses insumos. A produção não se fará sem que haja absorção da tecnologia. A política que agora se desenha objetiva exatamente isso. Incentivar as empresas a desenvolverem conhecimento e tecnologia e internalizar a capacidade produtiva de insumos farmacêuticos. Isso me parece extremamente importante.

BES - O atual modelo é diferente do que já se fez no país? Não havia algo semelhante?
OP - Com esta formatação, não. Existiram tentativas frustradas para se estimular essa produção local de insumos farmacêuticos. Nunca houve uma ação correspondente por parte da iniciativa privada, de tal maneira que ao final das contas o Brasil tivesse uma produção efetiva. Agora, as coisas parecem tomar outro rumo. Através das PPPs, parcerias público-privadas, estimuladas pelo governo, colocam-se, de um lado, um laboratório público, e, de outro, um laboratório privado para juntos produzirem insumos e medicamentos que serão fornecidos ao Ministério da Saúde. A fórmula me parece simples e eficiente.

BES - Que reparos o senhor faria a essa política?
OP - Não faria reparos, propriamente. Eu vejo limitações. Como a indústria farmoquímica do país é pouco desenvolvida, inicialmente nós vamos ter uma repercussão relativamente restrita. Vai demorar algum tempo para a coisa deslanchar. As próprias farmoquímicas vão ter que se desenvolver, se capacitar para criar conhecimento, desenvolver tecnologias ou importar tecnologias para produção local. Isso demora um certo tempo. Algumas indústrias são mais preparadas porque vêm se preparando há tempo, mas são poucas, e a Cristália é uma delas.

BES - Em que áreas a indústria está mais qualificada e onde estão as maiores carências?
OP - Falando do nosso caso, evidentemente nós desenvolvemos fármacos voltados para o nosso portfólio. Somos fortes na produção de antiretrovirais, anestésicos e narcoanalgésicos, que têm papel importante na nossa linha de medicamentos. Existem, por exemplo, empresas, como a Libbs, que produz hormônios, outras como a ABL que produz antibióticos. Certamente existe uma gama enorme de insumos ativos ainda não suficientemente atendidos pela estrutura brasileira que ainda é pobre. Entre essas carências estão as áreas de insulina e hormônio de crescimento, assim como as que dependem de moléculas obtidas por biotecnologia. Isto está evoluindo, porém, de forma um tanto ou quanto lenta. Acredito que com a implantação dessas bases da política industrial as coisas vão mudar. E deve haver um avanço significativo em um prazo relativamente curto.

BES - Como se dá essa definição de áreas, por parte das empresas?
OP - Eu diria que tem mais a ver com a cultura e com a filosofia de trabalho de determinados grupos que resolveram investir na produção de princípios ativos. Por quê? Se a agente for analisar friamente, como negócio, meramente como negócio, as margens são muito mais vantajosas nos produtos finais, nos medicamentos, do que nos princípios ativos, razão pela qual a imensa maioria dos laboratórios se volta para a produção de medicamentos. Eu tenho brincado e feito uma comparação. Você encontra muito mais padaria do que moinho. A margem que você tem no pãozinho é muito maior do que você tem na produção de farinha. E precisa muito menos dinheiro, muito menos tecnologia para fazer pãozinho do que para fazer farinha.

BES - Qual é o papel da universidade nesse cenário?
OP - Eu falo do nosso caso. Nós, do Cristália, estamos nos preparando há mais de vinte anos para criar as condições de produção de ingredientes ativos farmacêuticos. Para isto, nós materializamos o que durante muito tempo não passou de um discurso, que é a integração entre universidade e empresa. Nós temos convênios, parcerias com mais de 20 instituições, aí incluídos universidades e centros de pesquisa não universitários. Entre eles a UNICAMP, USP, UFRJ, Instituto Butantan e Fiocruz. Isso tem nos sido de alta valia, tanto para formação de pessoal quanto para geração de conhecimento. No nosso caso, a ação vai além de desenvolver tecnologia. Trabalhamos com pesquisa, com desenvolvimento, tanto de moléculas inéditas quanto de rotas alternativas para produção de moléculas conhecidas. Tem havido uma fertilização recíproca. Nós desenvolvemos conhecimentos apoiados pela universidade que, por sua vez, conhecendo as nossas necessidades também tem avançado na sua ação criadora do saber.

BES - A indústria, de forma geral, tem conhecimento da pesquisa feita pela universidade?
OP - Ninguém conhece a lista telefônica inteira. Mas sabe que se quiser um número de telefone vai procurar. As universidades produzem pesquisa, desenvolvem tecnologia. Isto tem uma aplicação mais restrita para quem faz remédio, é mais aplicável para quem quer fazer princípio ativo, para quem quer desenvolver drogas novas. Nem todos estão interessados nesse tipo de conhecimento. E por que não vai buscar? É muito mais fácil, é muito mais simples fabricar remédio do que fabricar princípio ativo.

BES - Existe uma opinião de que os pesquisadores não vão para a indústria em parte por que os salários não são compensadores. É verdade?
OP - Eu me permito discordar. Recentemente eu me interessei por um profissional que havia feito concurso e conseguiu uma vaga na universidade. E ele não quis vir trabalhar conosco. Por que nós pagamos menos? Não. Nós pagamos mais. Mas a segurança de um cargo concursado às vezes leva as pessoas a essa escolha. Mas na indústria ele ganha mais. Agora, a indústria tem um outro tipo de exigência, é um trabalho continuado é como se você tivesse...digamos assim... numa fila de metrô, se você não andar alguém te atropela. Eu acho que o que falta são indústrias oferecendo vagas para esses profissionais para esses jovens mestres, doutores, professores. Falta oferta. Por quê? São poucas as indústrias que se dedicam a isso. O Cristália paga bem, paga melhor do que a universidade. Mas evidentemente eu tenho um número limitado de vagas a oferecer. Mas nós empregamos muita gente. Trabalhando conosco, nos nossos projetos, há mais de duas centenas de mestres, doutores, pós-doutores. Uma parte disso com vínculo direto. Outra parte trabalha em projetos através da universidade. Se uma universidade está trabalhando conosco em um projeto “x”, em última análise estamos gerando emprego, tanto direto, como indireto, em uma unidade de pesquisa, por exemplo.


Fonte: Carlos Martins (Assessoria de Imprensa da SBQ) 
Boletim da SBQ n 919

Nenhum comentário:

Postar um comentário